O CINEMA E A NOSSA HISTÓRIA - APº CÉSAR

Gosto muito de literatura e alegro-me ao perceber como a história ganha mais colorido a medida em que mergulhamos nas visões diferenciadas dos escritores sobre qualquer momento do passado. Quando lemos estamos nos apropriando de uma ótica alheia, tomando emprestado outros olhos e outra percepção para contemplar um fato.
Com o cinema o exercício é bem parecido. Os filmes nos emocionam e quando se tratam de fatos verídicos, os diretores nos carregam consigo para uma viagem interpretativa e elucidativa sobre qualquer episódio que tenha marcado a humanidade.
Há muito tempo não víamos uma disputa pelo Oscar que trouxessem tantos títulos recheados de conteúdo significativo e de esforço para compreender um período da humanidade. Se pudermos apontar uma tônica para o prêmio este ano seria a nostalgia, a revisitação ao passado recente, ilustrada principalmente pela vitória de “O Artista”. Gostei muito da análise feita pelo jornal O Estado de São Paulo, por meio do blog na internet, em que apontou a História como a grande vencedora da disputa neste ano, destacando que 6 dos concorrentes traziam enredos e tramas relacionados a grandes episódios do século XX e ao que marcou o início do XXI, o atentado às Torres Gêmeas em Nova York. A iniciativa do jornal foi a de recorrer ao próprio arquivo e reproduzir as matérias divulgadas acerca dos assuntos que foram temas dos filmes. Recomendo a leitura.
É muito interessante observar a curiosidade em interpretar esse passado recente, um século que foi tão intenso, em que a humanidade deu um salto como talvez só tenha acontecido com a invenção da escrita. Um século marcado por guerras trágicas e que terminou melancolicamente com recessão econômica e terrorismo, mas que também nos presenteou com um desenvolvimento nunca dantes visto nas áreas do conhecimento, no progresso industrial, no desenvolvimento de novas tecnologias.
Os adultos de hoje viveram o século XX e boa parte do que virou enredo dos filmes indicados ao Oscar foi acompanhado de perto, na vivência, nos noticiários. É muito instrutivo sentar-se no cinema e olhar esses mesmos fatos agora, depois da cristalização do tempo, percebendo o que foi gerado deles, reconhecendo a importância que cada decisão ou escolha e a repercussão dessas decisões em nosso presente.
Não quero me restringir a comentar os ganhadores, ou os que eram meu favoritos e os derrotados. Quero destacar uma atuação que foi inquestionável e reconhecida, a de Meryl Streep e o valor de um filme como o que retratou a vida impressionante da impressionante Margaret Thatcher.
Se hoje as mulheres assumem papel de relevância política, se temos presidentas à frente de países de grandes economias, é preciso reconhecer que Thatcher abriu esse caminho num período muito difícil e, apesar das resistências e oposição, a Dama de Ferro se manteve uma década inteira no poder de um dos países mais ricos e influentes do planeta.
Margaret Thatcher pode ter tomado decisões controversas, pode ter sido odiada por alguns compatriotas, mas é inegável o exemplo de firmeza que ela legou não só à Inglaterra mas a todo o Ocidente, provando que mulheres também estavam aptas aos postos de autoridade.
O filme traz uma carga dramática poderosa ao retratar a velhice e a doença da grande líder e nos leva com a protagonista a questionar a validade do que foi convicção no passado. Historicamente, esse também deve ser o exercício praticado por nossa geração para reconhecer os acertos e os erros do passado, para não nos aprisionarmos e nem adoecermos numa realidade maquiada.
Margaret Tatcher foi poderosa, foi exemplar no modo de exercer a liderança e levantar sua história é um presente para os mais novos, que não a viram governar, que não conheceram suas posições contundentes. É muito importante lançar continuamente nossos olhos para trás para ponderarmos sobre o que definiu o mundo em que vivemos e iniciativas bem sucedidas como as de muitos filmes que foram premiados este ano provam que o cinema de qualidade pode ser uma ferramenta eficiente para democratizar o interesse por contemplar outras facetas da nossa realidade.
César Augusto Machado de Sousa é Apóstolo, escritor e radialista. E-mail: apostolo@fontedavida.com.br